Todo ano, em Campina Grande (PB), acontece a festa considerada "maior São João do mundo", que atrai cerca de dois milhões de pessoas. Entretanto, pouca gente sabe a origem da Festa de São João.
A origem da festa vem de um rito pagão em homenagem à fertilidade da terra transformado em celebração católica. São João sempre esteve cercado por essa dupla natureza da fogueira - sagrada e profana, pecado e purificação.
Se você é adepto do candomblé, a explicação pode estar em Xangô. Para quem não sabe, este foi o orixá escolhido como equivalente a São João no processo de sincretismo que levou os cultos afro-brasileiros a adotar referências católicas em suas práticas, ainda no Brasil Colônia. São João, Xangô menino, a entidade do elemento fogo. "Em 23 de junho, os terreiros da Bahia fazem festa para ele. Seus filhos comandam um ritual chamado ajerê: em transe após receber o santo, botam na cabeça uma panela cheia de brasa ou óleo fervente, e com ela dançam atravessando a roda sem se queimar", explica Muniz Sodré, professor da UFRJ e presidente da Biblioteca Nacional. Outra prática comum é caminharem descalços sobre as cinzas incandescentes da fogueira. Para completar, os participantes servem-se de iguarias como bolos e canjica.
Igual mas diferente? Essa contradição não é problema para o São João brasileiro. A festa parece capaz de incorporar as mais variadas referências de nossa miscigenada cultura.
No Pantanal sul-matogrossense, a mistura de povos típica da fronteira deu origem a manifestações juninas bastante peculiares. Esqueça a quadrilha e o forró. Tente imaginar uma dança chamada cururu, de origem guarani. O que se aprende com a natureza pantaneira é o ritmo das cheias (dezembro a junho) e vazantes (junho a dezembro). Nada mais natural para o São João local do que a substituição do fogo pela água.
Autor de tese de doutorado sobre o assunto, João Carlos de Souza, professor da Universidade Federal da Grande Dourados, atribui os banhos de São João - até hoje praticados nacidade - a uma tradição dos povos árabes, via colonização portuguesa. E lembra que o simbolismo da água há tempos está presente nas lendas em torno do profeta João. Não só pelos batismos que realizava no Rio Jordão.
Nas margens do Rio Paraguai, religião e festa profana também convivem em harmonia. "O fogo e a água são símbolos usuais de purificação, de modo que é plausível afirmar que o significado da festa era a renovação e a regeneração, e também a fertilidade, pois existiam rituais para adivinhar se a próxima colheita seria boa ou se uma determinada moça se casaria no ano seguinte".
E nem só de intenções matrimoniais vivem as simpatias e adivinhações juninas. Alguns conhecem uma simpatia que é assim: sob a luz da fogueira, olhar para dentro de uma bacia com água e tentar ver seu reflexo. Quando o reflexo surgia, significava que a pessoa ia permanecer viva até o ano seguinte.
O tradicional casamento na roça, para muitos mera brincadeira, acredite, também já foi prá valer. "Na região entre Piauí e Goiás, o casamento na fogueira de São João constituía, pelo menos até 1912, um sacramento. A razão era simples: em localidades isoladas, sem a presença de sacerdotes, o jeito era realizar a cerimônia em torno da fogueira, nos dias do santo, com direito aos noivos, padrinhos, parentes e convidados. A união, considerada válida pelos fiéis, era abençoada quando um religioso passava pelo local.
Entre tradições e renovações, São João segue firme e forte. Há quem torça o nariz para os palcos de superprodução onde se revezam dezenas de grupos de neoforró e outras músicas modernas - atrações que arrebanham os famosos dois milhões de Campina Grande. "A tradição é sempre inventada, assim como os processos de construção identitária dos grupos sociais são um constante fazer e desfazer", diz Valdir Morigi, da UFRGS.